Em Psicologia Social fala-se muito da Teoria Atribucional de Heider. De uma forma muito geral, esta teoria foca-se no modo como atribuímos características às pessoas e na tendência que temos para as atribuirmos de forma diferente consoante gostamos ou não da pessoa em causa. Ou seja, quando alguém de quem nós gostamos tem um comportamento errado, temos tendência a responsabilizar o contexto, algo extrínseco à própria pessoa. Mas caso alguém por quem não nutrimos uma especial simpatia se porta mal a tendência é oposta, isto é, achamos sempre que a pessoa se portou assim devido a uma qualquer característica sua menos positiva e, certamente, interna a ela. Um exemplo muito simples: se alguém de quem nós gostamos tira uma nota medíocre num exame, foi o azar; se tira a melhor nota da turma foi devido à sua inteligência largos pontos acima da média. À primeira vista esta teoria parece um pouco simplista e até redundante. Mas se olharmos com alguma atenção para quilo que se passa à nossa volta, ficaremos impressionados com a facilidade com que podemos comprová-la.
Ontem, depois de ter vindo de tomar café com elas, dei por mim a pensar sobre relações e até que ponto esta teoria se aplicaria a elas. E cheguei a uma conclusão curiosa.
é do conhecimento comum que quando estamos apaixonados as nossas capacidades de discernimento ficam significativamente comprometidas. E é aqui que a Teoria Atribucional se encaixa. Quero com isto dizer o seguinte: no que toca a relações, quando a pessoa que amamos se porta mal connosco ao fim de um grande (ou pequeno - que, normalmente, quando se trata de amor, o tempo tem pouca ou nenhuma importância) período de felicidade, a tendência é pensarmos que essa pessoa é, afinal, um animal. "Como é que eu pude ser tão burra ao ponto de acreditar que ele era uma boa pessoa?" e assim se inicia um longo tempo de auto-comiseração, qual drama de novela mexicana de terceira categoria. Achamos que a pessoa se portou mal porque é má e pronto. E essa certeza não nos sai da cabeça, no matter what.
Em contrapartida, quando o contrário acontece, o mesmo não se verifica. Se a pessoa por quem estamos apaixonados sempre nos tratou mal e porcamente e nunca nos deu o mínimo valor, mas depois nos compensa e nos começa a tratar que nem rainhas, "ah e tal , ele estava a passar por uma fase difícil, foi só uma reacção às circunstâncias da vida" e apagamos da nossa memória tudo o que foi mau como se nunca sequer tivesse acontecido.
Se não vejamos e tomemos com exemplo duas das minhas "histórias". O P. sempre foi um anormal comigo. Fazia-me sentir pequena, insegura, inferior a tudo e a todos. Mas bastava fazer a mínima demonstração de afecto para eu o desculpabilizar com a tão aclamada "vida". E foi assim, durante mais de dois anos até eu, finalmente me desapaixonar.
E tão como a água é diferente do vinho, o J. é diferente do P.. O J. sempre foi impecável comigo. Quanto estivemos juntos tratou-me com todo o respeito e carinho quanto se deve tratar alguém de quem gostamos. E mesmo depois de se ter ido embora e com um oceano entre nós continuou a tratar-me assim. Ao fim de meses mudou. E o que é que eu achei imediatamente? Que ele era um animal, que tudo o que tínhamos vivido antes tinha sido uma mentira e blá blá blá, coitadinha de mim, auto-comiseração. Desta vez não foi preciso desapaixonar-me. Continuo apaixonada. Mas agora consigo ver que aquilo que vivemos foi verdadeiro e que ele não passou a tratar-me menos bem por ser má pessoa. Ele é uma pessoa incrível, mas está no outro lado do mundo e a distância é uma batalha inglória que jamais poderei - ou poderemos - vencer.
Então, no que toca a relações, será que a teoria se distancia assim tanto da realidade? Será que conseguimos ser imparciais e colocar de parte os nossos sentimentos quando nos vemos obrigados a atribuir características aos outros? No meio das interrogações fica uma certeza: ele persiste em ser uma boa pessoa neste mundo que a cada segundo nos alicia a sermos feios, porcos e maus. Ele é uma excelente pessoa e pessoas assim merecem a nossa espera.