Andamos cansados da seriedade com que temos de nos comportar, fruto da mensagem multidiária de que a situação do país é grave, de que a da Europa é preocupante e de que o mundo, no seu geral, é uma merda.
Não partilho. Pode ser que seja verdade, mas não partilho. E acho que nos devemos rir, que devemos achar piada a tudo e a nada, que devemos aprender com os brasileiros, que se divertem por dá cá aquela palha, que acordam divertidos, fogem dum tiroteio num autocarro, arrancam à pressa num semáforo a fugir dum pivete, largam uma nota mal são abordados por essa omnipresente figura das grandes metrópoles que é o bandjido (assim mesmo, com j, de acordo com o meu desacordo ortográfico), e à noite se deitam felizes e com a sensação do dever cumprido.
Assim é que é, assim é que deve ser, e por isso venho propor rirmo-nos com a coisa mais sisuda de todas. E qual é essa coisa? De acordo com uma sondagem que nunca fiz, é a religião. Proponho-me analisar um assunto que não vi ainda ocupar ninguém: o da relação entre a religião e os chapéus – porque chapéus há muitos, e religiões também.
A religião é uma coisa muito séria. É por isso que na missa não nos podemos rir. É também uma coisa muito difícil. Veja-se o dogma da Santíssima Trindade, em que três são um e um é três – que é, portanto, a conta que Deus fez. Deus, por sua vez, também é a Santíssima Trindade, que também é Deus, sem que sejam, no entanto, a mesma coisa, porque nenhum deles é coisa, mas espírito.
Vê-se ainda que é um assunto muito complicado quando atentamos no facto de ser a Terra Santa o único lugar do mundo que nunca esteve em paz. E há também as guerras santas, que são guerras cheias de raiva e com muitas bombas como todas as guerras.
Pior do que uma guerra santa só os santos em guerra – mas esses não podem, porque estão no céu, que, por definição, é todo o contrário de tudo o que é mau. E a prova do que digo é que é possível haver um dia de todos os santos, mas seria impossível o dia de todos os políticos ou de todos os adeptos de clubes de futebol.
Mas a parte em que a religião se torna mais labiríntica é quando atentamos no que se passa com os chapéus. Os padres normais, que estão para a igreja como os soldados rasos para o exército, não usam chapéu. Têm, em vez dele, de ostentar uma pelada circular geometricamente situada no cocuruto da cabeça, modo de arrefecimento do espírito que arrastam dos tempos em que eram os únicos com acesso à instrução e ao pensamento.
Os religiosos de convento usavam um capuz, que simbolizava a singeleza, tal como os pés descalços. Os mais devotos eram, por consequência, os Capuchinhos e os Franciscanos dos Pés Descalços. (Os frades das Caldas vieram muito depois e não contam para este ranking).
Quando se sobe na hierarquia sobe a categoria do chapéu, até chegarmos à mitra, espécie de bicórnio ostentado pelos bispos. A mitra é imponente e a sua grandiosidade, que ocupa quase um terço do bispo, não visa simbolizar a opulência, mas apenas aumentar-lhe tamanho, de modo a pô-lo mais perto de Deus.
É por isso que se torna incompreensível, à luz deste princípio hierárquico do tamanho dos chapéus, que o chefe supremo da Igreja Católica envergue aquela meia-tigela colada ao couro cabeludo.
Pode supor-se, por exemplo, que já não seria sustentável, no sentido gravitacional do termo, um chapéu ainda maior do que a mitra; ou que, sendo o Sumo Pontífice infalível, já não precisasse de ostentar tanta pompa recorrendo a um truque, afinal, tão infantil.
Infantil, sim: veja-se como as crianças se fascinam com os chapéus dos palhaços, como a Coca-Cola lhes dedica gamas impressionantes de bonés, como se divertem a fazer chapeletes de papel.
Mas prossigamos no desvendar da razão de ser daquela meia-lua que, como noutros tempos noutros papas, encima hoje a cabeça de Ratzinger.
Pode ser, afinal, que se destine apenas a cobrir a pelada papal, trazida involuntariamente do tempo em que era um simples pároco de aldeia. Enfim, talvez sirva em última análise como capacete, suavizando possíveis pancadas com que alguns paranóicos tentam atingir o Santo Padre à quarta-feira na Praça de S. Pedro.
Ignoro o nome daquele chapelete que é, no fundo, a imagem de marca do Papa. Proponho, por isso, chamar-lhe papacete. “Olha, lá vai ele: o Papa no seu papamóvel com o seu papacete!”, grita a turba nos 4 recantos dos 5 continentes à passagem de Sua Santidade.
Sou a favor da coragem do Papa para alterar alguns dos anacronismos da Igreja Católica, a começar pela interdição do sacerdócio das mulheres e pelo casamento gay nos curas. Mas já sou visceralmente contra o ímpeto reformista que ousasse pensar em pôr de lado o papacete. Mudar, sim – mas tanto não.