“ (…) Passaram vinte anos, tanto, tão pouco. (…) É uma tarde de Junho, ouvem-se os melros no jardim, pela porta aberta da varanda entra o cheiro de rosas recém-desabrochadas. (…) Olhas-me com os teus olhos azuis, não dizes nada, só eles falam, só eles entre nós dirão o nunca dito. Sabes que tenho de partir, apetece-te chorar mas não choras. (…) Há uma aceleração dentro de ti, vê-se no teu arfar, este momento é único, irrepetível, é agora ou nunca, esperas que diga mas eu não digo, nem é preciso, para quê palavras, os olhos disseram tudo. Tu sabes e eu sei, basta estender a mão para colher-te, somos um do outro como nunca ninguém foi, estamos um no outro como nunca ninguém esteve, não foi preciso entrar em ti, nem sequer nos tocámos, durante um breve instante não somos dois somos um, fundidos na corrente do olhar e do ser, há um rio subterrâneo que nos sobe até à garganta, se morrêssemos agora seriamos eternos, nunca estivemos tão perto, nunca estivemos tão longe, passaram vinte anos, tanto, tão pouco.
Sim, eu podia ter estendido a mão, sabia que virias ter comigo, então ou depois, só um gesto bastava, uma palavra.
(…) Está no ar e nas coisas, é um amor que se respira como a brisa da Primavera que agita ao de leve as cortinas. (…) Todos estamos tocados pela corrente que nos junta e nos separa, a própria tensão ajuda, de certo modo são momentos de glória, nunca mais voltarão, nuca mais passarão. Todos o sabem ou adivinham (…) que algo está a acontecer, algo de único, irrepetível, não só o amor tão visível e nunca dito entre nós, mas talvez este viver à beira-risco. (…) Estamos todos tangidos pelo tempo e seus sinais. Não, não é só o amor, é o medo e a coragem, a consciência de que algo está a passar por dentro de nós, algo que divide e une as nossas vidas e nos junta e nos separa. (…) E, no entanto, nunca foi tão intensa a doce quietude do ar carregado do cheiro que vem do jardim.
(…) Somos talvez a reencarnação de um outro amor proibido, o eterno retorno de um único e mesmo amor (…) amor de perdição, amor de glória, passaram vinte anos, tanto, tão pouco.
(…) Tu estás em frente, os olhos húmidos não sei se de mágoa se de festa, talvez de festa e mágoa, amor e despedida, apetece-me dizer o teu nome, murmurá-lo, gritá-lo, tenho de engolir em seco.
(…) Passaram vinte anos, (…) é uma noite perfumada do Norte. (…) O que importa é este momento que nos une e nos separa. Se agora se apagar nunca mais brilhará. (…) Olha uma estrela cadente, a luz ficou nos teus olhos. Vamos guardar a estrela dentro de nós.
(…) Outra estrela cadente, a mesma luz nos teus olhos, não sei se haverá outras noites assim, é quase possível sentir o tempo, tenho a impressão de que posso agarrá-lo com as mãos, esta noite podia ser eterna.
Passaram vinte anos, oiço ainda a tua respiração, deixaste a porta do quarto entreaberta, sei que esperas por mim, entro, não entro, como dizer o que me retém, antes perder-te do que perder-me. (…) Encosto-me à parede, acendo um cigarro, vou ficar aqui a ouvir o teu rumor, não sei se é ilusão, parece-me ouvir-te dizer o meu nome muito baixo, sei que estás aí, de te não ter ter-te-ei sempre, passaram vinte anos, tanto, tão pouco. (…) “
sábado, 21 de março de 2009
Tanto, tão pouco.
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De onde é que eu conheço este texto? :s não me consigo lembrar..é lindo *
ResponderEliminarEstá lindo! Só mudava uma coisa. O raio do cigarro está aí mal :P
ResponderEliminarMas está mesmo bom Leonor.. :)*
Gostei! Parabéns! :)
ResponderEliminarque lindo.
ResponderEliminarjah vou segui-lo
bjs =]